sábado, 20 de agosto de 2011

Cultura de continuidade ou ruptura?

O cancelamento de 11 convênios, no valor total de R$ 12 milhões (assinados na gestão de Juca Ferreira no Ministério da Cultura) pela atual gestão de Ana de Hollanda está provocando um racha no setor. Artistas e produtores de convênios cancelados avaliam que a atual ministra optou por uma ação de ruptura radical com o governo anterior, em vez de fazer um governo de continuidade, como apregoou quando assumiu.


Na semana passada, o Estado noticiou o caso da Rede de Revistas, grupo que reúne publicações de artes, que viu seu convênio abruptamente suspenso após ter sido selecionado e passado por várias instâncias de avaliação. Essa semana, outras duas instituições, o Instituto E (de design) e a Associação Brasileira de Estilistas (Abest), acusaram a descontinuidade de seus projetos.

O Instituto E tinha visto a aprovação, no ano passado, do projeto Design Sustentável para Equipamentos Culturais e Mobiliário Urbano, orçado em R$ 2.735.419,24 (incluindo as contrapartidas e os desembolsos). "O que o MinC alega são problemas processuais, dos quais caberia a ele mesmo a resolução, solicitando que sejam completadas as informações. Os problemas burocráticos, no caso do Instituto E, já tinham sido resolvidos. E o cancelamento foi de modo arbitrário e sem direito a resposta", afirmou nota do porta-voz do projeto.

Já o projeto cancelado dos estilistas envolveria o apoio de desfiles internacionais com os brasileiros Pedro Lourenço, Alexandre Herchcovitch e Carlos Miele e premiaria dois estilistas de destaque nas principais semanas de moda do ano passado. O apoio do Estado brasileiro à indústria de moda nacional tem sido incentivado desde a gestão Gilberto Gil, e a própria ministra Ana de Hollanda esteve na SP Fashion Week para ilustrar sua preocupação com o setor.

Na ultima Conferência Nacional de Cultura em 2010, moda, design e arquitetura passaram a ser reconhecidos como cultura pelo MinC e foram definidas estratégias para essas áreas. A nova Lei Rouanet, em trâmite no Congresso, prevê a inclusão do setor em um fundo setorial.

Segundo Vitor Ortiz, secretário executivo do Ministério da Cultura (o segundo no comando), a "conotação política" que querem dar aos cancelamentos é "equivocada" por uma série de motivos. O primeiro, ele diz, é que dos mais de 200 convênios celebrados, somente 11 foram cancelados, o que não caracteriza uma caça às bruxas. "Se fosse governo de descontinuidade, teríamos cancelado a metade ou todos", diz. "Todos os que foram cancelados o foram por motivos administrativos, técnicos ou jurídicos. O proponente pode ter acesso ao parecer. Antes de serem enviados para pagamentos, os projetos passam por essas avaliações e pela Advocacia Geral da União (AGU), e nem a ministra nem ninguém pode mandar pagar antes disso", afirmou.

"O parecer da AGU que questionava muitos dos itens já havia sido resolvido para que pudéssemos inscrever o projeto. De acordo com o advogado do Instituto E, este documento é tão contestável que evidenciava que havia por trás uma vontade política de minar o convênio", rebate fonte do Instituto E.

"O primeiro questionamento é saber se é habitual e se os outros ministérios colocaram os projetos conveniados na gestão anterior em tão radical escrutínio. Ainda mais sendo um governo de continuidade. Parece uma excessiva desconfiança em relação à gestão anterior, do governo Lula", diz o editor Sergio Cohn, que representa a Rede de Revistas. "O projeto passou por todas as etapas habituais de perícia técnica e jurídica do Ministério, tendo adequado ou justificado os pontos questionados pelo Ministério. A retomada desse processo, como tem acontecido, e de uma forma extremamente lenta, atrapalha o cumprimento dos prazos do projeto".

Parte dos convênios foram celebrados pela Secretária de Políticas Culturais em 2010, quando era dirigida por José Luiz Herência (atual sub-secretário da Secretária de Cultura do Estado de São Paulo). Um colaborador de Ana de Hollanda, em conversa em off com a reportagem, disse que houve excesso de "distributivismo" na gestão de Juca Ferreira, e que isso está sendo objeto de análise. Um ex-gestor da administração de Ferreira, que não quis se identificar, disse o seguinte ao Estado: "Estes convênios estavam regulares. O cancelamento é um ato político de revanchismo, desastrado e desastroso para a cultura. A atual gestão está perseguindo grupos culturais que cometeram o crime de receber apoio do MinC na gestão Lula. Além de não lutar por mais orçamento para cultura, a atual gestão está cancelando os investimentos já realizados. Isso sim é improbidade."

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