sábado, 10 de setembro de 2011

Psicóloga fala da erotização precoce e diz que é preciso tratar agressores e vítimas da violência sexual


Violência e abuso sexual contra crianças e adolescentes tem sido tema recorrente nos noticiários, inclusive em Campo Grande e em cidades do interiro de Mato Grosso do Sul. A idade das vítimas varia, assim como as circunstâncias da violência, mas a quantidade crescente de casos que vêm à tona e ganham as manchetes é preocupante.

A psicóloga Ludmila de Moura, com 25 anos de profissão, afirma que é necessário primeiro entender a questão, tratar vítimas e abusadores, além de, ao mesmo tempo, agir preventivamente. Erotização da mídia, estimulação sexual precoce e falta de repressão são alguns pontos críticos da questào, segundo avaliação da psicóloga.

Ludmila é professora da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), onde atua como supervisora de estágio na área da Saúde. No consultório, atende crianças, adolescentes e pais. Ludmila tem dois filhos, de 9 e 13 anos. Confira a entrevista.

Midiamax: Existe um perfil, a criança que sofre qualquer tipo de violência, ela apresenta um comportamento diferenciado, ou pode agir como uma criança que não passa por toda essa pressão?

Ludmila:
Se essa violência é uma coisa realmente freqüente, constante, você vai poder perceber sim, pelo comportamento da criança. Geralmente, ela vai ser mais inibida, amedrontada, mais tímida, ela vai evitar o contato com outras pessoas, às vezes até para não denunciar os pais ou adultos, se é em casa que a violência está ocorrendo. É difícil, mas ela pode até tentar esconder. Até mesmo porque muitas vezes o adulto a ameaça que se ela denunciar, principalmente no caso de abuso sexual, ela vai sofrer alguma represália. Às vezes, se é um conhecido, ameaça bater nos pais ou na própria criança, ou até matar. Geralmente é um adulto que amedronta essa criança e aí, nesse sentido, ela vai procurar disfarçar, porque está assustada, até mesmo para não sofrer mais abuso.

Midiamax:
No caso de crianças que sofrem violência como o abuso sexual, qual é o encaminhamento para chegada desse paciente ao consultório do psicólogo?

Ludmila: Geralmente a gente recebe através de solicitação do conselho tutelar ou de algum familiar. O mais comum é que esses encaminhamentos sejam feitos nos serviços públicos, através do conselho tutelar, que vai verificar essa denúncia. Muitas vezes também é feito por um profissional de saúde, que observa que a criança está com lesões, ou chega machucada para o atendimento de saúde. Também pode ser observado na escola, verificando a pressão psicológica, como eu falei, uma criança muito inibida, tímida, amedrontada. Mas, tem que haver uma denúncia para que a gente possa intervir.

Midiamax: Quando essa criança chega ao atendimento no consultório, ela já revela nas primeiras consultas o que está acontecendo?

Ludmila: Nós começamos através de entrevista, quanto menor é a criança, mais a gente usa jogos, brinquedos, brincadeiras e até testes psicológicos, inclusive para ela expressar o que está acontecendo. Às vezes não é em uma entrevista apenas, que a gente vai ter todo este quadro esclarecido, até porque ela vai precisar adquirir certa confiança. Geralmente, são feitas várias entrevistas, com a família também, os responsáveis, e com quem denunciou. É melhor um trabalho em equipe para dar o apoio e assistência para essa criança ou adolescente. Porque até se o agressor é da própria família, ele tem que ser retirado ou ela vai ser retirada deste ambiente.

Midiamax: Quando a criança vive em um ambiente de violência, é melhor ela ser retirada da casa, mesmo que tenha o apoio da mãe que não é a agressora?

Ludmila: Não. A gente só retiraria a criança se os dois, o pai e a mãe, estiverem cometendo essa violência, ou pelo menos permitindo. No caso de um dos dois ser o protetor, é melhor ela ficar com alguém da família mesmo, alguém conhecido, do que ir para um ambiente totalmente novo e estranho. Há muitos casos em que as vítimas são vários irmãos, e então todos vão para um abrigo. Mas tem todo um processo, uma investigação para ver se realmente está ocorrendo a violência clara, explicita, e aí, sim, imediatamente o nosso dever é proteger a criança. O ECA (Estatudo da Criança e do Adolescente) dá essa garantia de preservar toda a integridade da criança.

Midiamax: O acompanhamento psicológico da criança que sofreu algum tipo de violência é demorado? É difícil superar?

Ludmila:
É um atendimento que a gente considera a longo prazo, pois se a violência é familiar, e ao mesmo tempo vai haver um afastamento da família, uma desagregação, uma desintegração familiar em função disso, há demora na recuperação. A vítima pode precisar morar num abrigo, vai então ter que passar por consequências dessa violência. O ato em si já é algo que vai abalar o emocional dessa criança, até porque como que ela vai confiar no mundo, no adulto, se alguém que deveria proteger, como o pai e a mãe, é alguém que a violenta? Então toda confiança e segurança dela vão estar abaladas neste sentido. E além de tudo, dependendo da consequência, tudo isso vai ter sequelas, sim, que precisam ser trabalhadas. A gente não sabe precisar quanto tempo, mas enquanto o profissional avaliar que há necessidade, é importante fazer o acompanhamento psicológico, não só da vítima, como também do abusador. Muitas vezes se esquece que quem sofreu violência na infância é quem vai ser o abusador, quem vai repetir a violência no futuro. Então o adulto também é uma pessoa doente e precisa de tratamento psicológico.

Midiamax:h No caso de adolescentes, crianças de até 14 anos, geralmente as meninas: muitas vezes elas "se apaixonam" pelo violentador, e ele usa a idade e toda a experiência para seduzi-las. Já tratou de algum caso semelhante?

Ludmila: Já acompanhei alguns casos, que não foram atendidos diretamente por mim, e verifiquei que isso é muito comum. Precisa ser trabalhada com a adolescente a questão da idealização do adulto. Mas agora a gente não pode esquecer que a adolescência é uma fase em que a sexualidade está realmente florescendo, surgindo, então precisamos trabalhar preventivamente, com a educação. É uma fase complicada, que precisa de uma atenção mais preventiva e educativa da sociedade para evitar até, por exemplo, a gravidez na adolescência, que é algo muito comum hoje em dia.

Midiamax:
Os pais não percebem que hoje em dia na idade de 12 a 14 anos, os pré-adolescentes já estão despertando a sexualidade, e os agressores acabam se aproveitando disso?

Ludmila:
Sim, é uma ambivalência, pois da parte do adolescente existe o desejo também. Se a gente proíbe é porque tem o desejo, e por isso é que deve ser orientado. Eles precisam aprender a refrear este desejo, a canalizar de uma forma saudável esta sexualidade, para um esporte, atividades como trabalho de escoteiros, de cuidar de outras pessoas.

Midiamax:
Os pais conseguem perceber ou geralmente não querem enxergar que o filhos está sofrendo algum tipo de violência?

Ludmila: Quando um é o abusador e o outro não está percebendo é porque, emocionalmente, é muito difícil para ele aceitar esta situação. Vamos imaginar que é o pai abusando da filha. Há alguns casos que a gente acompanha em que a mãe nega. Às vezes a filha até denuncia para a mãe, e ela não acredita. Muitas vezes são mulheres que dependem emocionalmente e economicamente daquele homem, então elas não conseguem admitir que aquilo está acontecendo e não se sentem capazes de morar sozinhas, de cuidar delas mesmas e dos filhos. É um lado delas que nega os fatos e mantém como se nada tivesse acontecendo. Já também existem casos em que a mãe entra em competição com a filha, e acredita que ela que está seduzindo seu marido, o padrasto. Família é algo bastante complexo, não podemos julgar como simplesmente certo ou errado. Quando isso acontece numa família, todos precisam de atendimento e de ajuda.

Midiamax: Existe um perfil sócio-econômico que demonstre a existência de maior incidência de violência sexual?

Ludmila: No Brasil não existem estudos muito amplos em relação isso. A gente não pode dizer que é a classe alta ou baixa. O que acontece também é que a gente tem menos denúncias nas classes mais abastadas economicamente. Na classe mais baixa, o que a gente tem muito evidente é a questão do alcoolismo e o uso de drogas. Geralmente, o alcoolismo faz com que as pessoas se desinibam, então os homens são mais agressivos em relação às famílias.

Midiamax: O atendimento público, na sua opinião, ele é eficaz nesses caso para perceber que a criança sofreu algum tipo de violência?

Ludmila: Geralmente, se há uma denúncia, o conselho tutelar é que encaminha essa criança para o atendimento público. Nós temos aqui em Campo Grande, junto à Secretaria Municipal de Saúde o Caps Pós-trauma PPT, que dá atendimento a todo tipo de violência. Eu acho que é eficiente, só que nós, profissionais, psicólogos, somos em número pequeno para atender a demanda. A necessidade é muito grande de haver a contratação de mais profissionais, maior número de Caps [Centro de Atendimento Psico-social], de atendimentos nos serviços públicos para poder atuar até preventivamente, não só no tratamento. A gente precisa de um número maior de profissionais para atuar na prevenção e na saúde da família.

Midiamax: A senhora sabe dizer qual é a motivação de um pedófilo ao abusar de uma vítima?

Ludmila:
Ele é uma pessoa também imatura, doente, que busca o prazer, e só obtém isso com uma criança. Então entendemos que ele também se sente uma criança. A percepção dele em relação à vítima é como se ele não estivesse fazendo mal . Muitas vezes ele até justifica que ela, a criança, também sente prazer, que foi ela o que seduziu, e ele se coloca no papel de vítima. Mas são pessoas emocionalmente doentes e que precisam de tratamento, não só de prisão, como é feito em outros países.

Midiamax: Num caso recente aqui em Campo Grande divulgado pela imprensa nesta quinta-feira, dia 8, o abusador preso disse que era a adolescente que ligava e ia atrás dele. Isso ocorre com freqüência?

Ludmila: Há casos em que a adolescente seduz o adulto também, pois há toda uma erotização. Na televisão você vê crianças dançando e estimulando a sexualidade. O primeiro erro é que a sociedade precisa colocar mais freios nesta questão da sexualidade infantil, precisa reprimir mais, censurar e, desde as novelas, em que a sexualidade está muito banalizada. Pode acontecer de o adulto até sentir o desejo pela adolescente, mas o que não pode é colocar em prática. Muitos adultos são estimulados pela criança e adolescente, só que conseguem reprimir, dizer "não, isso não pode, não está certo". Mesmo que tenha uma adolescente com 16 anos, menor de 18 anos, que vá seduzi-lo, ele tem que saber que isso não é certo.

Midiamax: Toda criança é capaz de se recuperar de traumas de violência e/ou abuso sexual?

Ludmila:
Essa pergunta é difícil de responder. Depende do quanto foi esse abuso, da intensidade, frequência, em que período a criança estava na fragilidade psicológica. Todos esses fatores são importantes para saber quando ela vai se recuperar. Mas acho que sempre vai ficar uma marca, uma cicatriz. Mesmo que faça um curativo, será uma ferida que curou, mas sempre deixa uma marca. Isso não quer dizer que a pessoa vai ter uma vida ruim, cheia de problemas, que nunca mais vai ter conserto, às vezes até é o contrário. O que a gente procura trabalhar com os pacientes é que ele transforme esta experiência num aprendizado, em algo bom, em algo que faça com que ele seja até mais sensível, mais solidário, compreensivo com as outras pessoas e até com ele mesmo.

(Transcrição: Mariana Anunciação)

Fonte: Midiamax

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